A iniciação de meninas periféricas no esporte

 O universo esportivo na vida das mulheres ainda é uma pauta polêmica e regada a estereótipos, embora a participação feminina tenha aumentado no decorrer dos anos. Entretanto, mesmo com o aumento de tal participação a disparidade em comparação com o esporte masculino ainda é gritante, se fazendo necessária e urgente a criação de mecanismos para fomentar a participação feminina nos esportes, bem como diminuir as desigualdades de gênero nesse campo.

Segundo o documento da ONU mulheres para igualdade de gênero, intitulado “IGUALDADE E INCLUSÃO DA MULHER NO ESPORTE: mapeamento das organizações esportivas nacionais e internacionais” publicado em 2022, alguns dos princípios fundamentais para a constituição da igualdade de gênero no esporte, são dentre outras coisas: aprimorar e expandir os esforços no combate a violência contra mulheres e meninas; Promover a liderança femininas nos ambientes esportivos e meios que os cercam; Diminuir a lacuna de investimentos estatais e privados nos esportes e times femininos promovendo oportunidades econômicas menos díspares entre esportistas femininas e masculinos; Construir uma representação menos desigual e isenta de preconceitos na mídia com enfoque principal a erradicação de estereótipos de gênero na representação midiática e aumentar os esforços para apoiar a igualdade de oportunidades no esporte, na atividade física e na educação física. 

Neste viés,  a própria organização do comitê olímpico Brasileiro e co-autora do documento, reconhece como fundamental no fomento ao esporte profissional feminino as iniciativas de apoio a realização de atividades físicas tanto no âmbito escolar quanto comunitário e familiar desde de a infância, sendo uma  base fundante do acesso ao esporte e como consequência a descoberta de tantos talentos que, por diversas vezes, ficam esquecidos pela falta de oportunidade de acesso. 

“Seguindo essa visão, as políticas de igualdade e de promoção do empoderamento de meninas e mulheres por meio do esporte devem ser implementadas ao longo de todas as etapas do desenvolvimento esportivo, em espaços seguros, facilitando seu acesso e manutenção em condições de igualdade.” (IGUALDADE E INCLUSÃO DA MULHER NO ESPORTE: mapeamento das organizações esportivas nacionais e internacionais, p.9)

Pensando nisso, em 2006 Wenceslau Júnior idealizou o projeto social “ De peitos abertos”, com o objetivo principal de incentivar a participação feminina no esporte desde a infância, visando formar uma sociedade igualitária desde os primeiros anos de vida. Júnior conta que a ideia do projeto surgiu a partir de ex-atletas, treinadoras e apoiadoras do esporte. Sendo assim, em parceria com a Arena Independência, o “De peitos abertos” treina meninas tanto para o futebol quanto para o judô e o basquete.

“Nosso projeto tem uma rotina de treinamento de duas vezes na semana, treinando futsal na quadra do projeto e a cada 15 dias se deslocam para o Independência para fazer o treinamento em campo. Elas têm uma rotina de treinos, alimentação e eventos”, detalha o diretor.  “Recebem também todo o apoio material, como uniformes e chuteiras. Mesmo não tendo a carga real de uma atleta, elas já se veem participando desse mundo de integração a uma equipe e com responsabilidades”, completa.

O projeto ainda conta com parceria das arenas Fonte Nova e Pantanal, tal parceria que, de acordo com Wenceslau, funciona como um grande incentivo para as meninas dentro dos respectivos esportes que estão inseridas. Vale ainda ressaltar que o incentivo ao esporte se dá não somente para o despertar de um pensamento empoderador, mas é sobretudo um incentivo ao bem-estar, a saúde e a formação de disciplina, conforme citado por Junior. Para ele, “esse estímulo deveria ser uma política pública, através das secretarias públicas e leis de incentivo ao esporte. Essa iniciação deveria vir das escolas. Hoje, a educação física escolar é uma coisa muito básica que acaba gerando um desinteresse das alunas em saber mais sobre os esportes.” Ele ainda completa sobre a necessidade do incentivo por parte dos órgãos governamentais, uma vez que , por mais que existam as Secretarias do Esporte, atualmente o trabalho é mínimo em relação ao esforço necessário para incentivar a participação de meninos e meninas no esporte.


ELAS BALANÇAM AS REDES


O esporte feminino vai bem nos gols, mas também balança as redes. É importante lembrar que a participação feminina nos esportes ainda é pouco plural, times como o “Esporte Clube Pinheiros” são mais um entre várias ideias que buscam explorar o potencial das meninas para o universo esportivo, sobretudo nas periferias urbanas.

Manu Moura foi uma das integrantes do clube , e conta como a participação proporcionou oportunidades de conhecer não só o esporte, mas também a ampliação do círculo social, conhecimento de outros lugares e até mesmo de novas línguas. 

A atleta conta que seu contato com o vôlei se iniciou aos 11 anos por meio de incentivo do primo. Em sua trajetória, passou pelo time do Mackenzie de julho de 2014 até o final de 2018, onde ficou nas categorias de base. Nesse período, ela foi convocada para o Campeonato Brasileiro de seleções jogando pela seleção de Minas Gerais. Posteriormente, decolou para o São Caetano onde foi campeã da série prata do paulista sub-19 e vice do sub-21. Já em 2019 foi convocada para a seleção brasileira sub 18 e foi disputar torneio na europa, sendo a primeira vez que saiu do Brasil. Entre torneios, oportunidades e a pandemia de covid-19, Moura atualmente está no Pinheiros, onde permanece até o final do ano.

Manu relata que sua experiência colaborou não só para sua vivência social, mas também em sua vida pessoal e até mesmo em sua forma de comunicar. “[Eu] era muito tímida e introvertida. [O time] abriu portas no esporte, viagens para fora do país e conhecer outras histórias que sem ele não seria possível”, conta. Em relação à nova vida que leva, ela relata que embora sinta saudades da família, tudo é muito novo e proporciona aprendizado para ela. “Venho de favelas onde não temos muitas oportunidades. Hoje moro em outro estado, lido com a saudade todos os dias. Meus parentes, quando estou em casa, vivem em minha função. Mas saindo de lá pude conhecer outras realidades, morar sozinha, em alojamentos”, desabafa.

Por fim, a atleta incentiva todas que desejam ingressar no mundo esportivo, sobretudo no vôlei. Para isso, ela pede resistência e persistência nos objetivos de cada uma. “Tenham seus objetivos claros, e metas para alcançar. Vai ser difícil, vão ter empecilhos do Estado, das pessoas, mas não desistam pois todo o esforço vale a pena e vai ser compensado futuramente”, aconselha Manu Moura.


PARA TODA PEDRA, UM NOVO DESAFIO

Realizada em 2021, a  pesquisa “ Mulheres no esporte: Pesquisa sobre equidade de gênero” realizada pelo DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) contou com a participação de mulheres de todo o Brasil que atuam como atletas, paratletas e técnicas desportivas. De acordo com ela, “apesar dos avanços em relação a mulheres no esporte, é possível observar que já na infância a menina vivencia suas primeiras experiências de desigualdade diante da prática do esporte, mesmo que não compreenda naquele período. À medida que almeja uma possível projeção no alto rendimento e amadurece em relação à atuação no esporte, passa a ponderar as diferentes exigências que ocorrem entre meninos e meninas.”

Diante desse cenário, fica claro a importância de garantir o fomento a prática esportiva por meninas ainda em idade escolar, uma vez que diversos esportes tem como fundamental ao desenvolvimento de  proficiência e a prática profissional o treino ao longo de boa parte da vida, fica claro assim, a importância de projetos sociais que comprem a função que por diversas vezes o Estado e a escola falham em desempenhar, principalmente em se tratando de comunidades com maior vulnerabilidade social que abarcam meninas, que por sua classe social, não teriam acesso facilitado a essas práticas. 

 

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